quinta-feira, outubro 18, 2012

Pequeno Conto.

"Sou duma dessas terras que tem nos eventos passados, na glória retrógrada e nas tradições de décadas, onde o ponto de honra é que todos os homens vivem sob a égide do cavalheirismo e as mulheres são e serão sempre senhoras, lady like. Onde o respeito pelo próximo, a humildade e a honestidade fazem parte do mesmo conjunto, onde cada pessoa é tão pura como aquilo que diz, onde tudo o que ouvimos é puro como a brisa que me acaricia as faces, onde sentados e olhando o horizonte podemos aprender quão ruidoso é o silêncio, e sabemos quão bom é poder povoar o silêncio com imagens mentais e ideias genuínas a circular.
Vivo numa casa de pedra, pedra escura nunca lavada, amolecida pelo vento e marcada pela vida vivida no seu interior. Na realidade, a minha casa é um rancho, com centenas de hectares, onde hoje em dia posso desfrutar do meu silêncio, e valorizar cada segundo que passo sozinho com os meus pensamentos a criar novos mundos. Os meus pais, por infortúnio dos tempos, desapareceram quando eu estava perto de atingir a maioridade, sucumbindo a uma fatalidade, a uma doença que levou algumas pessoas de ranchos vizinhos e desta terra. Os meus pais foram sempre o exemplo para mim, foram sempre felizes e sempre deram tudo um pelo outro, sujeitos a uma vida de trabalho duro para me sustentarem sem nunca se queixarem. As melhores memórias que tenho deles são de quão perfeitos eram os seus sorrisos encaixados um no outro pela ternura dos seus olhares, eles eram só um, passavam horas abraçados numa espiral de amor contagiante, onde o mundo éramos nós três. 
A minha dedicação à procura do amor de uma vida, o verdadeiro amor, baseia-se na imagem que tenho deles, no ideal de dois corações simétricos a dançar ao som da mesma canção. E é isso que quero para mim, pode ser pedir de mais, mas nestas coisas do amor nunca se é demasiado exigente para encontrar a perfeição. Busco a esperança de encontrar a senhora que em tempos fez do céu o meu chão e das nuvens as minhas companheiras de viagem. Espero todos os dias durante o pôr-do-sol a sua chegada, ainda hoje, abraçado ao cão, companheiro fiel e ouvido imparcial de lamentos e de declarações de amor. 
Não mais esqueci aquela menina, eu teria 14 anos e ela teria 12, na data em que ela saiu da nossa terra, acompanhada pelos pais com um saco de roupa na mão esquerda, e com o meu coração e a minha felicidade na mão direita. Não mais a esqueci até hoje, lembro-me exactamente de tudo o que fazíamos, de todos os passos que dávamos, de todos os sorrisos e de todos os olhares, límpidos na minha memória. Fomos sempre os miúdos mais sorridentes do planeta, e sei que inconscientemente, toda a gente que nos via nos invejava a felicidade e a compreensão que encontramos um no outro. Lembro-me perfeitamente de ir para o lago brincar e assistir ao pôr-do-sol na soleira da minha casa todos os dias. Lembro-me de brincarmos com o George, meu cão, e de sermos felizes sempre, independentemente do que acontecesse. No último dia antes de ela partir para aquela cidade longínqua de nome impronunciável, num outro continente cujo nome a minha educação escassa nunca conseguirá decifrar, disse-me que queria que eu esperasse por ela, independentemente do tempo que ela demorasse a voltar aqui para perto de mim, onde pudesse sentir o tique-taque do seu coração.
Poucos dias antes de partir, vimos um pavilhão junto ao lago dentro,  que parecia um coreto pequenino, feito especialmente para só lá caberem duas pessoas, um casal de namorados. Era de madeira pintada de  branco, trabalhado à mão, repleto de pormenores, talvez excessivamente ornamentado, com motivos que iam desde flores baloiçadas pelo vento, pessoas abraçadas como verdadeiros casais de namorados e de onde sobressaía na sua entrada a frase: "O Amor quando é verdadeiro, é eterno.". Ela disse-me que um dia queria casar com alguém que lhe fizesse uma declaração de amor do tamanho daquela, algo tão cavalheiresco e romântico, uma obra de arte, como símbolo do derradeiro e puro acto de amor.
À custa disso, aprendi a arte do meu pai, decidi ser um carpinteiro. Tudo para um dia construir um pavilhão para ti, fiz disto a minha arte, o meu modo de vida, para um dia fazer de ti a minha vida eternamente. E nada me agradou mais do que pegar algo em bruto, no seu estado selvagem e primitivo, e fazer com que desse "bruto" surja lentamente algo que é esculpido com minúcia e detalhe, talha a talha, lasca a lasca, centímetro a centímetro, e que pode ser algo que algo que me pode dar luz e manter a minha chama interior para o resto da minha vida, para sempre. 
Quero que voltes, hoje mais do que nunca. A minha solidão começa a fazer de mim um infeliz com medo que não voltes. Quero que venhas para imaginar finais de tarde, a preencher o meu corpo com o teu corpo, a preencher a minha vida com o teu sorriso, parando relógios no momento em que me beijes, e no momento em que dizes que sou o amor na tua vida. Quero-te dizer que és a personificação do amor, sabendo que amor comparado ao que sinto por ti não é nada, não é mais que um fragmento da vida, como um pedaço de terra do meu rancho.
Volta, por mim, ficarei onde sei que te posso encontrar todos os dias, na soleira da minha casa, onde sem a tua presença física, te continuo a sentir, na brisa que me beija a face, e onde encontro o teu cabelo ruivo no laranja do pôr-do-sol.
Sempre tua, à espera de vida."

1 comentário:

claudiapatricia 20 disse...


=)

Foi a melhor forma que encontrei de comentar este texto...não quero que qualquer palavra minha parte escureça o que de simples, mas belo possui...no entanto arrisco e digo algo vulgar...no momento foi o que senti quando li...adorei...espelha a vida de alguém que eu conheço 'bem' =)