quinta-feira, abril 26, 2012

Estória I

"Ele sentia a sua falta, precisava para viver feliz, ela era a razão do seu sorriso, a razão do tempo andar mais devagar ou mais depressa, viveu para ela enquanto estavam juntos, fazia tudo por ela, e pela sua felicidade. Há uns tempos acabaram por se separar, seguiram caminhos diferentes, talvez magoados um com o outro, talvez se tivessem separado por um desastre, talvez por um amor incomportável da parte dele, ou por algo abrupto ou imprevisível que nunca é previsto facilmente.
Passados muitos meses ele continuava sozinho, quase miserável, no marasmo da sua imperfeição, fora de qualquer círculo social, aliás com a sua monotonia não seria aceite em nenhum grupo, ele sim era finalmente o rei da melancolia, preso no seu castelo de solidão, afastando qualquer hipótese de se abrir com alguém. não queria mesmo pôr sequer a hipótese de ver alguém, só queria preservar a sua memória dela, como se fosse um quadro inesquecível, como a "Mona Lisa" de Da Vinci, "Guernica" de Picasso, ou melhor de todos "O Beijo" de Klimt. O seu objectivo era fazê-la eterna em si, e nunca mais entregar a sua caixa com o seu pedaço de veludo vermelho.
O que ele não sabia era que ela já o tinha substituído no coração.
Ele era um Bruckner, mais velho que ela, era dramático, louco, apaixonado e melancólico, era um homem com uma intensidade extrema, que encontrava na expressão dos seus sentimentos uma mais valia. A sua sensibilidade era como se fosse o seu bastião, era o topo do seu castelo, o sítio onde ele via tudo. Noutra altura qualquer da sua vida conseguiria ser um homem feliz, com um humor decente, conseguiria fazer toda a gente rir-se, mas desde aquele dia em que se separaram perdera a vontade de sorrir, a contade de amar, e a vontade de viver. Ele era um ser profundo, com intensidade emocional, demasiado intenso.
Ela por sua vez encontrou um Mozart, um tipo "leve", um humorista, quase surfista, um boa onda, um tipo vivo, que a fazia sorrir a todas as alturas, que lhe dava muito conforto, talvez não fosse tão apaixonado como Bruckner, mas com este novo era tudo mais fácil, mais simples, mais directo e descomplicado, ela não pensava tanto no futuro, da mesma idade e queriam acima de tudo divertirem-se.
O nosso Bruckner descobriu e ficou arrasado, a imagem que tinha dela iria ser estragada, decidiu exilar-se antes que tudo o que sentia fosse consumido pelas chamas de ciumes e do sentimento de possessão que tinha por ela. Figiu para longe, para o lado da neve, rodeado de árvores e gelo, sem vivalma por perto. Decidiu entregar.se ao destino, e só queria relembrar o tempo que passou ao lado dela, decidiu perpetuar o nome dela no exílio, num sítio isolado, e quis viver até ao fim dos seus dias com as memórias dos tempos passados com ela."

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