quarta-feira, abril 28, 2010

Cheiro do passado.

Adoro o sítio onde moro, não em Lisboa, mas cá em cima. Revejo-me nas pessoas, no que acalentam, no que são, no que acreditam e na maior parte das vezes, percebo porque adoram este sítio. Lembrei-me disto ao sentir o cheiro da terra, lavrada pelo meu avô aqui pertinho de casa, que com o calor já não tão sufocante, mas que apesar de tudo conseguia fazer com que o seu cheiro intenso se transmitisse cá para for. Esta terra quente e de cheiro intenso traz-me memórias de quando estudava aqui ao lado, na primária e da maneira como me divertia aqui nos campos do meu avô, juntamente com os meus primos, ajudando com a nossa inocência e trabalho não forçado.

Lembra-me de toda a minha infância em que herdamos a cultura genética dos meus avós maternos, e da maneira como eles nos incutiam um certo espírito de sacrifício para chegar a algo bom. As tardes de Verão sufocantes em volta de uns campos grandes carregado de terra, e completamente semeado de batatas era o que nos esperava, mas nós fazíamos isso sempre, como se fosse uma actividade normal, o cheiro é intenso, sentíamos a alegria no ar e os propósitos prontos a serem atingidos, o cheiro é quente, os primos sujos com galochas e calças velhas e bonés rotos, o cheiro não é pútrido, os avós cansados de nos tentarem parar com as brincadeiras, o cheiro é Verão de campo, os meus pais consequentemente diariamente a ajudarem a tomar banho/coisas de pais para que nunca se chegasse a nenhum sítio mal lavado, o cheiro é Infância colorida.


A herança genética dos lados dos meus avós maternos é mais valiosa do que aquilo que eu realmente penso, as qualidades físicas nem sempre boas estão lá, mas há valores e qualidades humanas que sei que vem deste meu avô e da senhora minha avó. Costumo pegar com a minha mãe e chamar-lhe o nome de guerra da família, os Mesquitas, porque a minha mãe também tem estas características distintas e em que os traços normalmente rudes se envolvem. Consigo-me ver na capacidade de sacrifício dos meus avós que mesmo com 70 e muitos vão para o campo fazer o que quer que tenha de ser feito. Consigo ver-me nos traços quadrados dos maxilares do meu avô o que nos dá a nós uma espécie de rudeza natural, que também se articula no espaço psicológico, com o sangue quente a fervilhar no corpo, pronto a disparar como um pequeno geiser vermelho. Consigo ver-me nas respostas da minha mãe, quase sempre curtas e um bocado duras, mas sempre humoradas e com um pitada de calão. Quero conseguir ver-me cada vez mais a cada dia que passa também na sua honestidade, na sua humildade, e na sua frontalidade.

O cheiro da terra quente é o cheiro da minha família no Verão, é o cheiro dos Verões da minha infância, aqueles que com certeza me vão ficar sempre na memória, e que me vão fazer querer lembrar sempre das minhas muito modestas origens, e da maneira como se pode vingar sendo sempre humildade e nunca nos tentarmos fazer passar por cima das outras pessoas.

2 comentários:

MEUS SONHOS MINHAS LEMBRANÇAS disse...

Este teu texto me lembrou da minha ultima poesia...

Na casa da minha avó havia
Pêssegos maduros no pomar
Uvas e laranjas em demasia
E um quintal enorme pra brincar

Lembro-me com certa nostalgia
Dos felizes dias da minha infância
Do doce de queijo que vovó fazia
E vendia para toda a vizinhança

Nesta minha vida, a minha história
O que ficou marcado na memória
Foi o meu tempo feliz de criança

Hoje vi que se cresce rápido demais
E que o melhor da vida fica lá para tráz
Num velho baú de preciosas lembranças
(Cleide Dellani)

Joana disse...

A melhor coisa que se pode dar a uma criança, depois de um irmão, é o contacto próximo e prolongado com os avós. :))) Também gosto muito dos meus, estou convencida da sua perfeição, mesmo quando sei que eram sobretudo humanos... Possivelmente uma lição a tirar-se é essa: ser humano é ser perfeito. ;)



Jinhos.